ESSA É UMA MATÉRIA UM POUCO LONGA PARA BLOG, MAS VALE MUITO A PENA LER.
Publicada no site Beef Point (www.beefpoint.com.br) em 29/07/2010 e escrito por
Miguel Rocha Cavalcanti
Engenheiro Agrônomo pela Esalq/USP,
pecuarista e Diretor de Marketing da AgriPoint
"A Europa está em crise e com dificuldades de reerguer sua economia. Na Irlanda não é diferente. Na semana passada os títulos da dívida do governo foram rebaixados, devido a preocupação com aumento da relação dívida/PIB. A pecuária de corte na Irlanda passa por situação ainda mais complicada, pois tem seus próprios problemas, além dos causados pelas dificuldades econômicas. Os custos são altos, mão de obra é escassa, pouca gente nova quer trabalhar com pecuária. Um amigo esteve num evento por lá há alguns anos e ficou impressionado com a idade média dos produtores: quase não havia gente jovem.
A pecuária da Irlanda depende das exportações para a Europa, onde há forte competição com outros países: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e até mesmo Austrália e EUA. Resumindo: a situação da pecuária irlandesa é ruim e tende a piorar no curto e longo prazo. Não há perspectivas futuras positivas.
Numa situação como essa, encontrar um inimigo pode ajudar a dar novo ânimo. Identificar o inimigo facilita as coisas. Dá força para lutar, cria unidade, dá clareza aos objetivos. E os líderes da pecuária irlandesa escolheram o Brasil como inimigo. Identificar o inimigo simplifica o problema: "toda culpa da crise da pecuária irlandesa vem do Brasil!" bradaria alguém por lá.
Do ponto de vista irlandês é uma excelente escolha. Um inimigo grande, distante, com muitas forças e algumas fraquezas. Graças a isso fica mais fácil se criar inimizade ("grande produtor de carne esmagando nossos produtores!") e também é fácil encontrar pontos para se criticar e atacar (aftosa, rastreabilidade, meio-ambiente, etc). Dado o objetivo de se reunir forças e criar unidade entre pecuaristas irlandeses a escolha do Brasil parece estar dando certo mesmo.
Toda vez que algum irlandês mais inflamado solta uma bravata contra a pecuária brasileira, nós rapidamente respondemos "nada disso é verdade!". A princípio essa parece ser a melhor estratégia: não deixar sem resposta um ataque ao Brasil, à carne brasileira. Recentemente comecei a pensar que essa não é a forma mais produtiva de se melhorar nossa imagem e se proteger contra bravatas da oposição. A postura do Brasil pode estar ajudando essa estratégia da Irlanda.
Será que a Irlanda é tudo isso para a carne brasileira na Europa? Será que precisamos responder a esses ataques? Será que ao responder estamos dando força a quem nos ataca? Será que ao responder estamos demonstrando medo ou fraqueza em relação aos pontos levantados por eles? Será que nossa postura é pró-ativa e a cada resposta nossa posição, reputação e imagem se fortalecem?
Tenho a impressão que não.
Como podemos usar os ataques da Irlanda para melhorar nosso negócio? Acredito que podemos usar a Irlanda como uma inusitada pesquisa de mercado. A cada ataque (também podemos catalogar e estudar os que já aconteceram nos últimos anos) avaliamos quais as preocupações, desejos e vontades passam pela cabeça do consumidor europeu. Sem querer, a Irlanda pode nos ajudar. Uma boa reviravolta. Mapear os ataques da Irlanda pode nos ajudar a entender melhor a cabeça do europeu e criar ações pró-ativas que ajudem a construir uma imagem melhor do Brasil e da nossa pecuária a cada dia.
Fazendo um rápido (e talvez incompleto) levantamento dos ataques irlandeses, é fácil identificar os pontos mais valorizados:
1. aftosa e sanidade em geral
2. bem-estar animal
3. rastreabilidade
4. sustentabilidade e respeito ao meio ambiente
5. certificação de processos e boas práticas agropecuárias
Quanta coisa boa temos para mostrar a Europa (e ao mundo todo) em relação a esses pontos. Quantos exemplos, programas, projetos e fazendas podemos dar destaque para o mundo.
Fazendo um rápido exercício de possibilidades de comunicação:
• comemoração de quantos anos estamos sem aftosa
• divulgação de apoio ao controle de aftosa em países vizinhos
• divulgação de melhorias no sistema de controles de resíduos
• apresentação de trabalhos e estudos de caso de fazendas referência em bem-estar animal
• promoção de técnicas brasileiras de bem-estar animal desenvolvidas por especialistas brasileiros (por exemplo, o Prof. Mateus Paranhos, da Unesp, esteve na FAO realizando um trabalho)
• estudos de caso de fazendas referência em rastreabilidade, gestão e produtividade
• estudos de caso de fazendas referência em sustentabilidade e respeito ao meio-ambiente nos diversos biomas brasileiros
• apresentação de dados de preservação de biomas brasileiros (dica: o Brasil é o país que mais tem florestas preservadas)
• apresentação de dados sobre a legislação ambiental brasileira (dica: o tema reserva legal assustaria qualquer europeu ou norte-americano)
• divulgação do avanço e melhorias de programas de boas práticas agropecuárias e certificação de processos, como o da Embrapa, que cresce e se aprimora cada vez mais
• estudos de caso e exemplos de sucesso de frigoríficos que adotam rastreabilidade, boas práticas e técnicas de sustentabilidade (dica: suspeito que somos líderes em tecnologia limpa em frigoríficos)
• divulgar a cultura, histórias e tradições brasileiras ligadas a pecuária de corte (dica: histórias bem contadas geram vendas de alto valor e ainda podemos atrair turistas)
• há muito mais, é só olhar em nossa volta
Sugiro que nossas próximas comunicações sobre a carne brasileira não citem a Irlanda. Não citem ninguém. Não se constrói uma liderança, uma reputação respondendo a ataques. Precisamos mostrar ativamente o que temos de bom, de forma transparente e apresentando ano a ano nossa evolução. Podemos criar um programa de apresentação de resultados, boas práticas e casos de sucesso, de forma estruturada que a cada mês teremos uma posição mais fortalecida.
Além de aumentar nossa reputação fora do Brasil, ter um programa transparente de apresentação de resultados vai reforçar nossa vontade e energia em fazer bem feito. Vamos comemorar com mais intensidade cada conquista e criar a alavanca para melhorar mais rápido e manter o conquistado. Especialistas em execução garantem que metas públicas e apresentação de resultados, de compromisso, de interesse, foco e direção são ótimas maneiras de garantir que as coisas aconteçam. Transparência aumenta a responsabilidade.
A pecuária de corte, a cadeia da carne como um todo, pode ganhar muito em imagem, reputação e eficiência sustentável no longo prazo se criar um plano de ação para comunicação desses pontos sugeridos. Por mais que tenhamos problemas (é claro que eles existem e não podemos negá-los), há muita coisa boa sendo feita. Acredito que a melhor maneira de fazer mais do que temos de melhor é olhar para os bons exemplos e não o contrário".
sábado, 31 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário